Carnavais, Malandras e Heroínas – o conto, o filme, a instalação

Em 2022, publiquei “Carnivals, Picaras and Heroines”, um conto queer, feminista e interseccional, com múltiplas camadas de transformação que ocorrem durante uma noite de carnaval em uma cidadezinha histórica mineira. Teoricamente embasado e poeticamente inspirado pelo livro Carnavais, Malandros e Heróis, do antropólogo Roberto DaMatta, o conto na íntegra pode ser lido aqui.

A SINOPE A SEGUIR CONTÉM SPOILERS.  Lorena Falter é uma pesquisadora de gênero e professora universitária, recém transformada por sua mudança do Rio de Janeiro para o interior de Minas. Ao longo de uma noite no Bloco das Domésticas, entremeada por encontros intrigantes, ora mágicos ora tensos, mais transformações acontecem:  a transformação típica da fantasia de carnaval, em um bloco onde homens se vestem de mulher e vice-versa; a transformação da performance drag, que permite a Lorena ser uma “mulher vestida de homem vestido de homem trans vestido de mulher”; a transformação identitária de Lorena, que finalmente se entende queer, ao se apaixonar por uma travesti e deputada federal que a salva de um abuso sexual iminente; a transformação do nascimento,  vivenciada por Maria, amiga de Lorena que dá à luz uma menina rebelde na quarta-feira de cinzas;  e, por último, em um plot twist, a transformação da narradora: de escritora científica em escritora de ficção. FIM DA SINOPSE.

Em 2023, o projeto “Carnavais, Malandras e Heroínas” se ampliou e essa história foi recontada por outros meios, dando origem a uma vídeo-instalação interativa e performática que foi apresentada na galeria de arte do congresso Consumer Culture Theory em Lund, na Suécia. A instalação convidava espectadores a vestir as fantasias e a jogar as serpentinas, mantendo a obra em constante transformação. Veja abaixo algumas fotos. No final, clique no vídeo para assisti-lo na íntegra no YouTube. Ou clique aqui.

Este projeto recebeu apoio do Edital de Criação e Circulação Artística, PROEX, UFSJ.

 

 

 

 

Galeria de Arte e Fotografia do congresso Consumer Culture Theory

O congresso Consumer Culture Theory começou em 2006, na University of Notre Dame, organizado por Russ Belk e John Sherry. Desde então, ele tem acontecido anualmente, com a sede alternando entre Américas e Europa. Em 2014, o congresso aconteceu em Helsinki, sob a liderança de John Schouten e Diane Martin. Foi minha primeira vez no congresso CCT. Foi também a primeira vez que o congresso solicitou submissões em formato de arte. Gerenciando o “Arts Track” naquele ano e nos seguintes, estava Usva Seregina, cuja influência foi determinante para a criação e manutenção da galeria de arte do congresso, tenho certeza. Por esses motivos, 2014 também foi o ano em que me lembrei de uma antiga e, até então adormecida, vocação. Ser artista.

Em 2015, não fui ao congresso CCT, pois decidi ir ao ACR em New Orleans, para mostrar meu filme “Dialectical Dildo”. Mas, desde 2016, não parei mais de participar do congresso CCT, submetendo, além de artigos no formato tradicional, sempre um trabalho artístico (ou mais). Tenho tido coautores maravilhosos nesses projetos: Xico Alessandri, Cadu, Kaike, John Schouten. E, mais recentemente, meu querido colega de UFSJ Pablo Martins e nossa brilhante editora de vídeo Daniela Santana

Este ano, fui convidada para ser a líder do tema, que agora se chama Arts & Photography Track, em parceria com Ekant Veer e Shona Bettany. Além de recebermos submissões em formato artístico, que inclui pinturas, desenhos, esculturas, instalações, performances, videografias e outros, também encorajamos as submissões fotográficas, inclusive com dois prêmios: o do júri e o do voto popular. Tenho orgulho de dizer que CCT Lund foi a edição do congresso que recebeu o maior número de submissões para o tema arte, desde sua criação. A Galeria de Arte e Fotografia contou com 17 trabalhos que estimulam o pensamento crítico quanto aos fenômenos culturais do consumo. 

Short abstracts in English can be found after the photos below.

 

“Tattoo and Luxury”, by Maurice Patterson and Renata Couto de Oliveira / “Continuing Practices with Modern Masks”, by Renata Couto de Oliveira
“Carnivals, Picaras and Heroines”, by Luciana Walther, Francisco Alessandri, Carlos Henrique Chaves da Silva, Carlos Eduardo Félix da Costa and Pablo Luiz Martins
“Consuming space, consuming sky”, by Jens Martin Svendsen / “NYC Cow”, by Patricia Sunderland / “Coca Cola in Armenia”, by Patricia Sunderland / “Doin it: An Auto-Ethnography of Seggs”, by Katherine Sredl
“Creating Utopia in the Rubble”, by Eric Krszjzaniek / “At the Edge of Wilderness”, by Eric Krszjzaniek / “A Portrait of the Artist as an Ex-Voto”, by Luciana Walther, Carlos Eduardo Félix da Costa, Francisco Alessandri and John Schouten / “Iconic Purging”, by Jannsen Santana
“Seaweed Magics”, by Cecilia Fredriksson
“Making the invisible, visible”, by Jannsen Santana, Flavia Cardoso and Daiane Scaraboto / “Valei-me meu Padim!”, by Jannsen Santana, Daiane Scaraboto and Flavia Cardoso / “Addis Ababa Day Care”, by Patricia Sunderland
“The Marketplace and I: Commercial Experiences of Disability Explored”, by Leighanne Higgins and Killian O’Leary

 

Tattoo and Luxury, by Maurice Patterson and Renata Couto de Oliveira

This triptych of collages renders an alternative perspective on luxury that holds Gell’s (1999) technology of enchantment as its main vector. Although the concept of luxury has routinely been apprehended through aesthetic logic and traditional craftsmanship, its current profile bears little resemblance to the image that inhabits the social imaginary.

 

Continuing Practices with Modern Masks, by Renata Couto de Oliveira

In line with critical studies on whiteness, we argue that consumption practices reproduce a symbolically violent and naturalized culture reflecting problems that “everyday racism [is] not only the restaging of a colonial past, but also […] a traumatic reality, which has been neglected” (Kilomba, 2019: 13).

 

Consuming space, consuming sky, by Jens Martin Svendsen         

Text and pictures in combination, each presumed to be of equal significance, a multi-modal one-piece expression.
The text is a circular composition. The pictures are composed around a vanishing point
This is a free extension my work on criminal’s consumption and how that relates to non-criminal’s consumption.

 

SEAWEED MAGICS, by Cecilia Fredriksson

SEAWEED MAGICS is a part of my research on seaweed as utopian aquaculture phenomenon. As a watercolorist I get close to the seaweed by painting myself into an area of ambience. My watercolor sketchbook is a memory object for ethnographic experiences and it creates connections between words and images.

 

Making the invisible, visible, by Jannsen Santana, Flavia Cardoso and Daiane Scaraboto

With this photo sequence, we make the invisible, visible. We bring to light the “invisible” workers who live off the waste generated by massive spiritual events and their invaluable work in collecting, sorting and delivering recyclables to recycling plants. We also make visible their creativity in transforming waste into treasure.

 

Valei-me meu Padim!, by Jannsen Santana, Daiane Scaraboto and Flavia Cardoso

“Valei-me meu Padim” (trans. ‘Oh help us, Godfather!’) is a plea for help and an expression of shock among the pilgrims in Juazeiro do Norte. Inspired by Wayne White’s art, we show our shock at seeing how much waste is generated during spiritual experiences and ends up in dumping grounds.

 

 

The Marketplace and I: Commercial Experiences of Disability Explored through Art, by Leighanne Higgins and Killian O’Leary

The Marketplace and I: Commercial Experiences of Disability explored through Art challenges uncovers the commercial experiences and interactions of disabled consumers. The artworks raise awareness of the role the marketplace plays in both alleviating and perpetuating exclusion within the marketplace for this valuable yet often overlooked segment.

 

Iconic Purging, by Jannsen Santana

Purging. Noun. The act of getting rid of something unwanted, harmful, or evil. Iconic Purging. An iconic artifact of the consumer culture, the shopping cart, is purged by the waters of the Vieux-Port in Marseille – France, on January 03, 2022. The nature and the Market. Can they coexist?

 

Carnivals, Picaras and Heroines, by Luciana Walther, Francisco Alessandri, Carlos Henrique Chaves da Silva, Carlos Eduardo Felix da Costa and Pablo Luiz Martins

This project combines the methods of fiction as research practice and art-based research, by proposing a live performance and a companion installation, both inspired by a short story that tells a feminist, queer, intersectional tale of identity transformations, taking place during one Carnival evening in a small Brazilian touristic town.

 

A Portrait of the Artist as an “Ex-Voto”, by Luciana Walther, Francisco Alessandri, Carlos Eduardo Felix da Costa and John Schouten

This photo collage compares the grateful relationship research participants displayed towards the social entrepreneur who changed their lives and the gratitude expressed by Brazilian Catholic pilgrims in the form of votive offerings, the “ex-votos”. It shows an a-ha moment typical of art-based research, when fieldwork and visual metaphor come together.

 

Head in the Clouds and Waste All-around, by Jannsen Santana, Flavia Cardoso and Daiane Scaraboto

In this short film, we depict the value creation and destruction that happen around large-scale events such as the processions of Círio de Nazaré – Brazil. Pilgrims derive spiritual value from this transcendental experience. Yet, large-scale events can lead to environmental value destruction, mainly by generating tons of post-consumption waste.

 

Creating Utopia in the Rubble, by Eric Krszjzaniek

Extractive industries promise jobs and wealth for a time in Wyoming’s mining towns, but after a while, the opportunities leave, and so do the people. Most of them, anyhow. Formerly prosperous towns dot the high plains, offering no jobs and no prosperity, so why do some remain?


At the Edge of Wilderness, by Eric Krszjzaniek

This image was taken at the edge of a Wilderness Study Area outside of Rock Springs, Wyoming. Transforming space into the heterotopic place of Wilderness is a contentious debate in the United States. Many consumers believe they are denied the benefits of the space by this designation.

 

Doin it: An Auto-Ethnography of Seggs, by Katherine Sredl

In this performance, the audience experience of the presentation is central to auto-ethnography. I explore Tinder as a dialectic utopia/dystopia. I use introspection as a research tool to call for further research on the role of affect in the utopias and dystopias of sex and digital culture.

 

NYC Cow, by Patricia Sunderland

In fall of 2020, NYC was reeling from the pandemic ravages of Spring 2020. Sidewalks became everyday sites of consumption. Here, a butcher shop owner, socializing and seated in the red shirt outside his store, has also added a bit of levity by masking his mascot cow.

 

Coca Cola in Armenia, by Patricia Sunderland

On the site of Armenia’s historic pre-Christian Temple of Garni, does the snow on a dark face furnish the surprise or is it the embedding of Coco-Cola coolers in nature? What are the symbolic constellations of assumptions we bring to our viewing of this particular photograph as well as others?

 

Addis Ababa Day Care, by Patricia Sunderland

Created at Mulufiker Daycare in Addis Ababa, Ethiopia in 2017, the photographs and video help to demonstrate the physical closeness among the children and teachers and the degree and forms of sharing that were tolerated and encouraged – from shared space to shared toys to shared food and spoons.

Um bate-papo queer e interseccional

Eu, a Juliana Ferreira, a Duda Salabert e o Ricardo Domeneck esperamos vocês no Sobrado Quatro Cantos (Tiradentes, MG), às 10h do domingo 27/11 (não é neste fim de semana, e sim no outro), último dia do Festival Artes Vertentes. Para quê? Para conversarmos abertamente sobre temas de gênero, tudo com embasamento científico, mas num formato fácil e agradável de entender. Saca só:

Mesmo o silêncio gera mal-entendidos: Um bate-papo queer e interseccional

Esta é uma conversa acessível e coloquial, com o objetivo de iluminar algumas questões interseccionais que vêm sendo turvadas por discursos ultraconservadores. Existe “ideologia de gênero”? Vamos discutir gênero enquanto um continuum de identidades possíveis, e não como uma doutrina. O que significa “queer”? Vamos refletir sobre vivências “queer” localizadas no campo da política, da resistência e da representatividade, para além da orientação sexual. O que é “interseccionalidade”? Vamos examinar hierarquias de privilégios culturalmente construídas, que geram interseções de vulnerabilidades, onde vários grupos se encontram: pessoas LGBTQIA+, mulheres, pessoas pretas, povos originários, pessoas com deficiência, pessoas gordas, pessoas velhas, pessoas sul-americanas, entre outras. Por fim, vamos compartilhar relatos de como essas questões afetam nosso trabalho nas artes, na literatura, na política, na pesquisa científica e na educação.
 
 

Autorretratos de Agosto

Outro dia, falei de PBA aqui. PBA é a pesquisa baseada em arte, e uma de suas características mais empolgantes é acolher as opiniões e sugestões da plateia, focando mais no processo do que no resultado. Este ano, apresentei um instalação artística e duas fotocolagens no congresso da Consumer Culture Theory em Corvallis, nos EUA, que me deram imensa satisfação. As obras resultaram do projeto de pesquisa e extensão coordenado por mim na UFSJ, com o título Autorretratos de Agosto, em coautoria com Cadu, Chico Alessandri e John Schouten

Na pesquisa de campo, conduzida em Bichinho, MG, entrevistamos empreendedores sociais, com foco especial no Toti, proprietário da Oficina de Agosto. Entrevistamos ainda artistas que trabalham ou já trabalharam na Oficina. Para cinco deles, encomendamos um autorretrato tridimensional, uma escultura em que eles poderiam representar a si próprios como quisessem, com estética realista ou fantástica, inspirados por quaisquer aspectos de suas histórias de vida e identidades. Depois de prontas, usamos as esculturas durante entrevistas com seus autores, adotando a técnica projetiva do autodriving. Isto é: a escultura funcionava como uma terceira pessoa na qual eles podiam projetar suas visões de mundo, sem o constragimento de falar diretamente sobre si. Foi lindo usar a PBA para coletar dados de campo, numa expressão artística cocriada e comunitária, que dá ainda mais voz aos nossos entrevistados.

Aí chegou a hora de usar a PBA para interpretar dados e difundir achados. Mas como? Não queríamos simplesmente expor as cinco esculturas, uma ao lado da outra, como meros instrumentos de coleta de dados. Queríamos que a maneira de expô-las contasse algo mais sobre a pesquisa. Que o display, em si, também funcionasse como metáfora para alguma interpretação de campo, chave teórica, ou resultado de pesquisa.  Foi quando resolvemos incluir mais um grupo na conversa: a plateia. Então, do diálogo entre pesquisados, pesquisadores e observadores, surgiu o insight que resultou na exposição que mostrarei nos vídeos a sequir.

Os observadores convidados a opinar não poderiam ter sido mais generosos e competentes: a plateia do congresso GENMAC – Gender, Markets and Consumers, ocorrido em maio de 2022, em Estocolmo. Somos especialmente gratos a Susan Dobscha, Victoria Rodner e Jannsen Santanna, cujos comentários sobre nossa apresentação foram fundamentais para as decisões visuais e conceituais que tomamos posteriormente para o display dos autorretratos no congresso CCT – Consumer Culture Theory, ocorrido em julho de 2022, em Corvallis nos EUA.

Usamos o ex-voto como uma metáfora para a relação de gratidão entre os artistas da Oficina de Agosto e seu amigo/mentor/benfeitor/empregador Toti. Usamos o gazofilácio, visto nas “Salas dos Milagres” de igrejas católicas brasileiras, para, ao mesmo tempo, reconhecer as benfeitorias realizadas pelos empreendimentos sociais e criticar as relações trabalhistas capitalistas. A urna, que na igreja pede dinheiro, na nossa instalação pedia ainda mais comentários da plateia. Recebemos alguns emocionantes, ora falados, ora escritos. Um deles veio da própria Deborah Heisley, inventora do autodriving. =~)

Este projeto de pesquisa e extensão foi apoiado pelo Edital de Criação e Circulação Artística PROEX/UFSJ. Em minha última postagem, escrevi que jamais vi um centavo do dinheiro público para minha pesquisa em Administração. E é verdade. Mas felizmente trabalho em uma universidade federal que valoriza a arte.

 

Apresentação no congresso GENMAC, em maio de 2022, em Estocolmo

 

Self-Portraits in August: Recrafting Identity through Intimate Production in a Social Enterprise

 

Self-Portraits in August: Identities in Wood

 

Self-Portraits in August: Identities in Clay

Tentativa e Errância / Wandering with Wonder

Você sabe o que é PBA? A pesquisa baseada em arte (PBA) combina os princípios das artes criativas em contextos de pesquisa, empregando métodos artísticos para reunir, analisar e/ou apresentar dados de campo. Trata-se um método orientado para o processo, por meio do qual o conhecimento e o significado são construídos de forma contextualizada, interativa, reflexiva e cocriada. Ao assumir a prática artística como parte do estudo científico, a PBA convida ao esforço criativo não só os pesquisadores, mas também os pesquisados, na tentativa de gerar arte comunitária que expresse o fenômeno tal como é vivido pelos indivíduos, e que comunique aspectos emocionais da vida social. Porque ela cria conexões entre a comunidade, os pesquisadores e o público espectador, a PBA tem uma influência social e política transformadora sobre os indivíduos envolvidos em seu processo. A PBA dá voz a sujeitos marginalizados, aprofunda as interpretações dos pesquisadores, e acolhe as contribuições do público.

Por esses motivos, estou muito feliz que meu capítulo sobre PBA, em coautoria com o Prof. Carlos Eduardo Félix da Costa (que já chamei aqui de Cadu), tenha sido publicado neste livro incrível, que discute, de forma interdisciplinar, os desafios enfrentados pelos pesquisadores-artistas em tempos de crise. Nosso capítulo propõe um processo de “tentativa e errância”, no lugar da “tentativa e erro”. Descrevendo três exemplos práticos, focalizamos o componente indutivo característico da ida a campo etnográfica e da criação artística coletiva, que estabelece diálogos entre pesquisados, pesquisadores e espectadores. “Transformar o vivido numa narrativa é confiar no prumo que habita o acaso.”

Para saber mais, visite o site da Editora Routledge, clicando aqui.

Fotos: @usva.inei

Carnivals, Picaras and Heroines: Transtextuality in Readable Radical Research

De todos os trabalhos que realizei desde que me tornei pesquisadora e professora, este é talvez o que mais me encha de orgulho. Uma história de ficção queer, feminista, interseccional sobre múltiplas transformações durante uma noite de Carnaval em uma cidadezinha mineira. Publicada no volume inaugural de uma revista científica que também está se transformando, ao oferecer apenas textos provocadores e gostosos de ler.

Para ler trechos da história com imagens inspiradoras, visite o Instagram da narradora.

Para ler a história completa, visite o novo site do Journal of Customer Behaviour ou clique na imagem abaixo.

Dearly Departed

Em julho, estive no congresso Consumer Culture Theory, desta vez em Montreal. Lá, participei de uma sessão especial sobre o tema Social Enterprise, organizada pelo Prof. Dr. John Schouten, na qual apresentei a pesquisa de campo que estamos realizando juntos no vilarejo mineiro conhecido como Bichinho, com foco inicial sobre a Oficina de Agosto. Mas isso é tema para postagem futura. Hoje quero falar do outro trabalho que apresentei no congresso: a instalação “Dearly Departed: Objectification and Personification in Women’s Erotic Consumption”.

Como já postei aqui antes, pode-se dizer que a Consumer Culture Theory Conference seja um congresso de marketing que reúne, predominantemente, pesquisadores da cultura do consumo atuantes em escolas de negócios. Só que, diferentemente dos congressos caretas dessa área, nessa conferência o pesquisador pode discutir seus achados científicos em forma de poesia e de arte, além do tradicional formato de exposição oral acompanhada de slides.

Desde 2016, expus cinco trabalhos na galeria de arte do congresso CCT (para saber mais sobre meus trabalhos de arte anteriores, clique aqui, aqui e aqui), vários deles em coautoria com o artista plástico e ceramista Francisco Alessandri. A inspiração para nossa instalação este ano foi o recorte de minha pesquisa apresentado no capítulo do livro Research in Consumer Behavior: Consumer Culture Theory: a vida e a morte dos produtos eróticos.

Com um título que pode ser traduzido mais ou menos como “Queridos Falecidos: Objetificação e Personificação no Consumo Erótico Feminino”, a instalação interativa era formada por cinco pequenos caixões e suas placas funerárias, contendo o nome do “morto” e um epitáfio, que não foram escolhidos por mim ao acaso. Tratam-se dos nomes usados por minhas entrevistadas para batizar seus vibradores. As frases abaixo do nome também foram proferidas por elas, quando descreviam sua relação com o produto. A ideia de morte é igualmente oriunda do discurso das entrevistadas para se referir ao descarte de produtos eróticos velhos ou quebrados.

O objetivo do trabalho era mostrar, de forma metafórica e até um pouco cômica, que os vibradores são tratados como pessoas por suas proprietárias, o que acentua a agência dos produtos sobre as consumidoras, em um processo que a antropóloga Marilyn Strathern chama de personificação. Vibradores viram mordomos, amigos, amantes e penetras, transformando as consumidoras em mulheres diferentes daquelas que eram antes do consumo erótico, em um processo que o antropólogo Daniel Miller chama de objetificação.

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Hysterical You

Estive na Dinamarca no começo de julho para a CCT Conference, que é o congresso oficial da corrente de estudos culturais do consumo conhecida como Consumer Culture Theory. Lá apresentei o artigo intitulado “The Life and Death of Anthony Barbie: A Consumer Culture Tale of Butlers, Lovers and Crashers”, que trata da vida social de produtos eróticos, como o polêmico vibrador. Como tudo que está vivo um dia morre, o artigo debate também a morte social e material desses objetos, analisando depoimentos engraçados e emocionantes em que minhas entrevistadas descrevem como é difícil, por motivos emocionais e práticos, jogar fora um vibrador. O artigo foi selecionado pelos organizadores para se tornar um capítulo do livro “Consumer Culture Theory – Research on Consumer Behavior”, que contém os melhores papers apresentados no congresso de 2018.

Desde 2016, além de apresentar minha pesquisa científica nesse congresso, tenho participado com trabalhos artísticos, usando variados meios para expressar meus achados de pesquisa: escultura, ready-made, collage. Este ano, apresentei uma instalação interativa intitulada “Hysterical You”, que consistia em uma cadeira em cujo assento ficava escondido um massageador de costas, constantemente ligado à tomada. No assento, lia-se a palavra “SIT” em grandes letras vermelhas. Diante da cadeira, havia uma mesa sobre a qual se encontrava um livro, em cuja capa se lia “READ”, e um espelho de penteadeira, em cuja superfície se lia “STARE”.

Vários colegas interagiram com a obra e ofereceram reflexões que validaram e aprofundaram minha proposta. Usva perguntou ao primeiro a se sentar: did you stare into your void? Carla e Rodrigo sugeriram a colocação de uma câmera que registraria a reação das pessoas, ao se surpreenderem com a sensação corporal gerada pela instalação. Jannek falou da avalanche sensorial criada pelo estímulo vibratório que, somado aos três verbos no imperativo, impede a concentração no cumprimento dos comandos. John ficou impressionado com o estímulo do períneo. Vários manifestaram vergonha de interagir com a instalação em uma sala com tantos espectadores – a exposição ocorreu no grande lobby do centro de convenções.

Veja o texto que acompanhava a instalação e algumas fotos dos corajosos que decidiram participar da brincadeira. Uma brincadeira muito séria, a propósito.

Vantagens e desafios do método videográfico nas pesquisas de marketing

Recomendo a todxs xs estudantes de Administração e a quem quiser saber mais sobre pesquisa de marketing o livro “Como fazer pesquisa de marketing no Brasil: um guia prático para a realidade brasileira”, de autoria dos professores Walter Nique e Wagner Ladeira. A segunda edição acaba de ser publicada pela Editora Atlas e está primorosa.

Como o título indica, o livro oferece um olhar brasileiro e profundo sobre abordagens e métodos de pesquisa internacionalmente preconizados. Os autores apresentam o passo a passo para se realizar pesquisas de marketing cientificamente rigorosas, detalhando desde as metodologias mais prevalentes às técnicas e perspectivas mais inovadoras. Cada capítulo traz ainda dicas práticas, cases e uma seção intitulada “Palavra do Especialista” para a qual tive a honra de contribuir, discutindo videografia.

Na coluna “Palavra do Especialista”, professores doutores e renomados profissionais de diferentes indústrias desenvolvem, cada um, um tema específico: o professor Eduardo Ayrosa fala de Consumer Culture Theory (CCT), o professor Vinicius Brei discute o presente e o futuro do big data no Brasil, o professor Marlon Dalmoro trata do método etnográfico, o professor Valter Afonso Vieira recomenda a criação de escalas nacionais com base em nossa cultura, entre outras importantes contribuições que aproximam esse livro da prática brasileira e ajudam a inseri-lo nos mais recentes diálogos internacionais.

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Cuniculantropia III

Acabo de voltar do congresso da Consumer Culture Theory, linha de reflexão praticada usualmente em escolas de negócios, que estuda consumo pela ótica cultural. O congresso da CCT é tão avançado que encoraja pesquisadores a apresentarem seus achados científicos não apenas em forma de artigo, mas também em forma de poesia e arte. No ano passado, além do filme Dialectical Dildo, apresentei dois trabalhos artísticos, um ready-made e um conjunto de três esculturas em coautoria com o ceramista tiradentino Francisco Alessandri, que receberam os títulos de Cuniculantropia I e II.

Neste ano, o congresso aconteceu em Anaheim, na Califórnia, onde apresentei, além de um artigo científico intitulado “Humility of Things: Analyzing Material Culture’s Salience in the Erotic Industry”,  meu terceiro esforço para expressar em forma de arte os achados de minha pesquisa sobre consumo erótico feminino que se referem às transformações atravessadas tanto pela consumidora quanto pela indústria erótica. Trata-se de um relacionamento mutuamente constitutivo e, portanto, dialético. Do relacionamento entre consumidora e produtos eróticos, ambos emergem transformados.

Cuniculantropia é um neologismo inventado por mim como metáfora conceitual para essa transformação. A cuniculantropia, se entendida ao pé da letra, se refere à transformação de pessoas em coelhos, da mesma forma que licantropia se refere aos lobisomens. Aqui, o emprego da palavra não é literal evidentemente, mas sim uma interpretação poética da consumidora transformada por sua interação com a indústria erótica.  O coelho é usado como alegoria para sexualidade, já que dá nome a um dos produtos eróticos mais conhecidos, o vibrador do tipo rabbit, e é um animal notório por sua capacidade reprodutora.

Em meus trabalhos artísticos, minha intenção tem sido estender a metáfora do textual para o visual. A quimera originada da cuniculantropia corresponde à consumidora indelevelmente transformada por sua participação na indústria erótica e, também o inverso, a indústria transformada pela consumidora.

Utilizei a técnica da collage e, por isso, tenho muito a agradecer à minha amiga, designer  e artista Marcia Albuquerque, que me deu uma incrível aula de collage. A collage é a técnica (ou o meio) perfeita para expressar teorias neomaterialistas, como a Teoria da Assemblagem, que pressupõe que os cidadãos nas sociedades de consumo são assemblagens tecnossociais formadas pela pessoa e pelos objetos materiais que da sua vida fazem parte. Expressa também a famosa teoria do Eu Estendido, de Belk, que entende que objetos de consumo muito relevantes para os indivíduos passam a fazer parte de sua identidade. Ajudam a construi-la e a expressá-la.

Minha collage Cuniculanthropy III foi um sucesso! Muita gente comentou e elogiou. Surgiram interpretações que me fizeram perceber aspectos do meu próprio trabalho que ainda me eram inconscientes. Uma colega sugeriu que todos os alunos de doutorado tentassem exprimir suas pesquisas em forma de collage para aprofundar sua compreensão do que eles próprios estão fazendo.

Esta collage funciona nos dois sentidos verticais, cada um oferece mais camadas de significados para o observador. O antropólogo Richard Parker, ao estudar a identidade sexual brasileira, constatou que, enraizada em nossa desigualdade entre gêneros, está a noção da mulher enquanto virgem e enquanto puta. A primeira representa o controle masculino sobre a sexualidade feminina. A segunda, ao mesmo tempo, valida a masculinidade e a desafia. Uma de minhas mulheres tem os braços cruzados em santidade ou adoração; um coração sagrado e vibrante que ela guarda como tesouro. A outra mulher tem chifres feitos de conchas; uma armadura de pequenas frutas vermelhas. Estão interligadas pela orquídea de Georgia O’Keeffe. Que também cobre os olhos da consumidora-santa. Ou lhe servem como óculos. Um sorriso suculento com sabor de goiaba. Outro sorriso quebrado, cubista, assanhado. Asas que saem dos quadris. Instruções para construir um coelho se transformam em mais asas, estas com a transparência das de um inseto. Um homem também faz parte da assemblagem. Você consegue identificar os produtos eróticos nesta imagem? Don’t forget to play.

cuniculantropia na loja de molduras
Ainda na loja de molduras

cuniculantropia na loja de molduras (2)

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No congresso de CCT, Dineyland Hotel, Anaheim, EUA

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